Thursday, November 23, 2006

Capivaras, Inc

Eram três destemidos aspirantes à radialista de uma faculdade de playboy, convidados para passar um fim-de-semana na fazenda. Por causa de compromissos, alguns nobres e outros nem tanto, tinham que voltar no sábado e não no domingo, como o resto do pessoal.

Decidiram viajar na sexta à noite e depois de encontros e desencontros, colocaram o pé na estrada por volta da meia noite. Com edredons, cobertores, travesseiros e sleeping bags foram buscar outras duas amigas, que cansadas de esperar até altas horas desistiram da viagem.

Com um mapa um pouco confuso (na verdade confusas eram as pessoas vendo o mapa), um leve soninho e muita fome, os três partiram para o interior.

Uma parada rápida em um posto de gasolina e a menina acorda com um Todinho, que foi atirado no banco de trás. “Você não quer?”. Meio sonolenta ela esquece do Todinho, se acomoda nos edredons e travesseiros e volta a dormir.

Mais uma parada. “Acho que estamos perdidos. Vamos perguntar para esse pessoal aqui”. O vidro abre e junto com o frio da madrugada entra uma fumacinha de mato.
“Você quer?”. Ela se enrola nos edredons e resmunga para que fechem a porta do carro por causa do frio.

E o carro sacode. Sacode pra um lado, sacode pro outro.

- Cadê o maldito portão vermelho! Não era pra ter um portão vermelho aqui?
- A gente ta perdido? – diz ela ainda meio desorientada.
- Estamos. Já faz um tempo.

Depois de mais meia hora e muitas quase desistências eles finalmente acham o portão vermelho.

Na fazenda muita gente ainda estava acordada. Eles chegam, se acomodam e, antes de dormir, ouvem pela 9753ª vez aquela música irritante da Jewel, cantada por uma amiga.

No dia seguinte, churrasco, caipirinha, cerveja, piscina, conversas, tênis, conversa, churrasco, caipirinha, tênis com cerveja, tênis com caipirinha, piscina com caipirinha, piscina com churrasco, tênis com churrasco e conversas com cerveja.

No final da tarde, os três amigos resolvem voltar para a capital para os seus compromissos, os nobres e os nem tanto. Colocam as mochilas, os cobertores, os edredons, os travesseiros e os spleeping bags no carro e pegam a estrada. Na fita cassete músicas animadas dos tempos de matinê.

Já anoitecia quando, ao som de “It´s Raining Man”, o motorista breca bruscamente e o carro bate em alguma coisa. Os edredons e travesseiros voam para frente, o silêncio invade o carro e a alegria desgovernada dá lugar a uma sobriedade imediata.

Na escuridão da estradinha cheia de curvas um monte de pêlos marrom-claro dá seu último suspiro. Uma capivara, que naquele momento atravessava tranquilamente a estrada e não viu o Fiesta azul marinho vindo em sua direção.

Com a ventoinha quebrada e o carro fervendo, conseguem chegar até a próxima cidade. Decidem que o motorista fica com o carro esperando o guincho e os outros dois voltam para a capital, para os seus compromissos nobres e os nem tanto.

Na rodoviária da cidade não tem mais ônibus direto aquele dia. Os dois amigos decidem pegar um ônibus até a cidade mais próxima e de lá partir para a capital.

Enquanto esperam o ônibus ele liga para a namorada.

- Oi, já tá pronta? Então, atropelamos uma capirava e zoou a ventoinha. Tá tudo bem. Vou pegar um ônibus até Campinas, depois um outro até São Paulo. Já, já estou aí. Beijos.

Chegando à próxima cidade ela tenta ligar para casa.

- Falou com a sua mãe?
- Não consegui, liguei pra um rolinho.
- Aquele?
- O próprio... A que horas você tem que estar na festa?
- Meia noite.
- Onde é?
- Serra da Cantareira.
- Já são quase 10 e nós ainda nem saímos daqui...

No meio do caminho ele liga de novo.

- Daqui a 20 minutos to na rodoviária. Vou pegar um metrô e te encontro na Santa Cruz. Pega meu smoking e meu sapato. Vou sem tomar banho mesmo e me troco no carro. Ah! Aprende o caminho para você me explicar depois.

Assim que desliga, o telefone toca de novo.

- Eu sei. To chegando, vai dar tudo certo. Tenta atrasar a valsa... Valsa sempre atrasa.

Desliga o telefone atrapalhado.

- São quase onze, será que vai dar tempo?
- Num sei, mas tenho que tentar. Valsa atrasa né?
- Será? Debutante não é que nem noiva.

Chegando à rodoviária o relógio já marcava onze pouco. Os dois pegam as mochilas e saem em disparada para o metrô. Compram as passagens, descem as escadas correndo e respiram por 30 infinitos segundos até o trem parar. A cada estação a vontade de pedir para seguir direto até a Santa Cruz aumentava. Se com a filha do chefe não se mexe, com baile de debutante da filha do chefe menos ainda.

O trem pára na estação e o cavalheirismo já nem existia mais. “Desculpa, tenho que correr. Preciso chegar lá em 15 minutos”, disse ele antes de sumir no meio das pessoas que subiam as escadas rolantes.

Ela chega ao nível da rua e não muito longe dali vê o Ford Ka parado com o pisca ligado. Ela entra e eles seguem para tomar um negócinho e comer uma coisinha. Afinal é sábado à noite.

2 comments:

Anonymous said...

Olha só, percebo que não sou o unico sem ter o que fazer no trampo...
Muito bem escrito... gostei, gostei.
Me diverti com o anterior.
Continue assim GP "Jckr".

Anonymous said...

É, as vezes, temos pedras.

Outras, capivaras no nosso caminho.

Falou sua doida!

PS: O meu diploma de Comunicóloga em Publicidade e Propaganda ainda nem solicitei... Ops! Estou a fazer o quê aqui em Portugal, então?

Mais um diploma!

beijos