Tuesday, January 17, 2006

A mulher do café

Ontem me lembrei dela. Acho que comentava algo sobre as pessoas esquisitas que freqüentavam o Pub em que eu trabalhei em Londres. Era cada um que me aparecia.
Essa mulher estava todo dia lá e como todo freqüentador pedia sempre a mesma coisa. No caso dela não era bebida e sim café. Ela sempre pedia o número de cafés que ela tinha dinheiro pra comprar naquele dia, que variava entre dois e quatro, às vezes mais, mas nunca menos.
No meu primeiro dia lá ela apareceu e foi pra ela que servi o primeiro café. O difícil foi entender como usar a máquina, mas graças a quantidade de cafés que ela pedia, aprendi rápido.
Uma pena não ter tirado fotos, nem dela e nem das pessoas que passaram pela minha vida lá.
Hoje só consigo lembrar das roupas e quase não lembro mais de seu rosto. Ela devia ter uns 50 anos e usava sempre um casaco comprido azul claro, de um tecido sintético, e um chapéu que lembrava aqueles de turista, que escondia todo o cabelo. Levava também uma bolsa pequena uma sacola de supermercado cheia de coisas.
Ás vezes quando o movimento estava mais fraco eu me pegava observando aquela mulher estranha. Ela sentava sempre no mesmo lugar, uma mesa de dois lugares atrás de um pilar, perto da mesa de sinuca. Frequentemente era incomodada por algum cliente mais alterado que mexia nas suas coisas ou ria da cara dela por estar falando sozinha. Enquanto ficava no bar, ela lia, observava e conversava com um ser imaginário (ou com ela mesma). Ela ria, brigava, falava e chorava. Esquizofrênica talvez. Tinha um andar esquisito, uma aparência fraca, frágil, e devia fazer muito tempo que não encarava um chuveiro.
Um dia estava perto da mesa dela pegando alguns copos e resolvi perguntar o seu nome. Fazia um mês que eu estava lá e achei que seria simpático da minha parte.
Ela era meio assustada, mas quando eu disse que queria saber o seu nome ela abriu um sorriso encabulado e me respondeu: “Dio”. Me apresentei e fiquei mais uns dois ou três minutos tentando explicar como pronunciava Tatiana.
Depois desse dia Dio passou a me procurar sempre que chegava ao bar. Ela comprava de uma vez quatro cafés e eu ia controlando quantos ela tomava durante o dia. Cada café era acompanhado de sete, não oito e nem seis, mas sete sachezinhos de leite. Às vezes ela comprava mais, às vezes ela saía pra comprar algo para comer e voltava umas 2 horas depois, mas no final ela acabava ficando o dia todo lá. Da hora que abria até um pouco antes de fechar.
Um dia tinha uma promoção no supermercado e ela me trouxe um sorvete. O sorvete deve ter ficado horas e horas na bolsa dela até que eu chegasse para trabalhar e ela pudesse me entregar. Quando eu finalmente cheguei, ele estava todo derretido, mas nada que algum tempo na geladeira não resolvesse.
Segundo o meu chefe no Pub, um australiano muito engraçado, Dio era artista plástica e morava em seu estúdio não muito longe dali.
Depois da reforma, o pub virou um lugar mais “descolado”, e as pessoas que freqüentavam o antigo “Trafalgar”, já não eram mais bem vindas pela nova gerência. Assim como Dio, alguns outros migraram para Pubs nas redondezas.
O motivo para ela freqüentar tanto o mesmo bar eu não sei, e provavelmente nunca vou saber, mas com certeza ela deve continuar freqüentando algum Pub londrino, pedindo seus cafés (com sete saches de leite) e falando com seus botões.

2 comments:

Anonymous said...

Linda história Tati. Linda !!!

Anonymous said...

Tati, tive pouco tempo para ler os textos do seu blog, mas... pelo pouco que li posso afirmar: VC PODE SER UMA GRANDE CRONISTA SE QUISER!!!!!!!!!!!
Adorei!!!!!!!!
Mil beijos
Aliciene